Gostei desse poema concretista por me fazer a refletir:
"será que existe tanto lixo no mundo por causa do luxo em que as pessoas querem viver?"
Acredito que essa tenha sido a intenção do autor ao fazer esse texto porque a palavra lixo está construida por várias palavras luxo.
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!". Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?". Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou. Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado".
M O R A L: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.
Este texto foi publicado na revista “O Cruzeiro” de 01 de fevereiro de 1947, pág. 86, como sendo de autoria de “Adão Jr.”. João A. Bührer d'Almeida localizou-o em seus “Arquivos Implacáveis”, procurou daqui e dali e acabou descobrindo, conforme consignado na enciclopédia Delta Larousse, que se tratava de mais um pseudônimo de Millôr Fernandes. Ao caro João Antônio nosso muito obrigado pelo envio do material
Amigo meu surpreendeu um ladrão em casa. Desceu pé ante pé a escada e acendeu a luz da sala, rapidamente. O ladrão, ao ver a luz acesa, saiu correndo. Passou pela porta, saltou um muro, ganhou a rua. Meu amigo correu atrás do ladrão até a porta da rua e, para garantir-se da fuga do ladrão, deu um tiro para o ar. Seu erro. O ladrão parou de correr subitamente e, deitando ódio pelas narinas, voltou como um raio em direção ao meu amigo, disparando também o seu revólver, e gritando com fúria: "Tiro não, seu cachorro! Tiro não!".Trancando-se em casa e dominado pelo terror, meu amigo ficou refletindo que devia ter ferido algum ponto fundamental da ética larápia. Sentou-se à máquina. e fez então um código de como tratar ladrões. Ei-lo:
QUANDO, COMO E POR QUE SE DEVE ATIRAR NUM LADRÃOAtire imediatamente:1) Se for um ladrão que fala à maneira da literatura policial corrente. 2) Se ele, em vez de correr pra lá, corre pra cá: 3) Se ele provar que é vítima de uma estrutura social mal formulada e que não está fazendo mais do que lançar mão de algumas coisas que a sociedade lhe deve por tê-lo posto no mundo. 4) Se ele não parece disposto a despir sua melhor camisa esporte. 5) Se sua esposa ou filha achar que ele é um amor de ladrãozinho.
Evite atirar:
1) Quando o ladrão se encaminha para o quarto de seu tio rico, cujo único sobrinho é você. Nesse caso, evidentemente, cabe a seu tio o direito de atirar primeiro. É preferível deixar o ladrão um tanto chocado com a nossa não interferência, do que desagradar nosso tio quando é seu o legítimo direito de abater o larápio. Isso poderia levá-lo a um grande desgosto e, portanto, a nos deserdar. O fato de não interferirmos entre ele e o ladrão; muito ao contrário. 2) Se o nosso Terra Nova conseguiu agarrar o ladrão pelo gogó. Nesse caso, com a pontaria que temos, poderíamos ferir o cão e deixar solto o ladrão. E se você já viu um cão com raiva, fácil lhe será imaginar um ladrão hidrófobo. 3) Este ponto redunda no anterior. Você nunca deve disparar quando não for capaz de acertar um mosquito a cinqüenta metros. Os ladrões em geral acertam no olho esquerdo de pulgas a duas milhas de distância. (Medida inglesa). 4) Se sua esposa é uma Assistente Social. Ela pode aplicar sobre ele suas lições de "como reajustar o indivíduo à sociedade". 5) Se você está a beira da falência. Um ladrãozinho inopinado explica muito fundo ausente.
Peça ao ladrão para atirar antes:
1) Se você há muito tempo não tira férias. 2) Se você tem um ótimo seguro contra acidentes. Neste caso você pode até escolher o lugar do corpo em que o ladrão deve atirar, mediante uma comissão paga adiantadamente.Além disso previne-se também que para entrar em luta com um ladrão não é necessário convidá-lo a escolher as armas antecipadamente; já que um ladrão prefere normalmente as que tem à mão. Outrossim não se deve dirigir a palavra a um gatuno antes de lhe apontar o revólver. Ele pode ficar emocionado se você lhe falar sem ser apresentado e sentir-se na obrigação de lhe dar uma salva de tiros. A natureza dos ladrões, sabem os entendidos, é muito reclusa.Texto extraído do livro "Lições de um Ignorante", José Álvaro, Editor – Rio de Janeiro, 1967, pág. 119.