Resumo de Citação: "Dias de sol dias de luz"

19:32 / Postado por J.V.S.S. / comentários (0)

"Sem o sonho de que os tempos sombrios passarão, viver serve para quê?"
Lendo essa frase, eu me lembrei de uma frase que meu professor de história do ano passado falou:
-"Essa é a época em que o homem se sente mais infeliz. Não existe algo pelo qual as pessoas sacrificariam a suas vidas."
Claro que em certa parte essa frase está errada, pois tem aqueles que possuem um senso de valores muito forte, porém a maioria das pessoas, não possuem esse senso tão forte, pelo contrário.
Hoje em dia é muito comum ver pessoas, quebrando seus valores sem dar a mínima pra isso; mas um nunca será quebrado (Pisar em cima dos outros para subir na vida), um bom exemplo disso é os EUA que não se importa em destruir os recursos naturais do planeta, e ainda acham que preservar os recursos será uma pedra no meio do caminho.
Analisando como o mundo anda atualmente, pode-se dizer que o mundo está em seus "dias de sombras" e esperar que haja "uma luz no fim do túnel", os "dias de sol" é o único motivo pra prosseguir na vida (alguém gostaria de viver se soubesse que só haveria dor e sofrimento pelo caminho de sua vida?)

"Será que somos uma aberração coletiva apelidada de nação?"
É muito difícil entender como valores tão distintos são passados entre uma mesma nação. Por isso bate essa dúvida, afinal com pessoas tão distantes em senso de valores, será que realmente temos uma somos uma nação?

"Conclusão: é nosso dever ético condenar e procurar mudar, por todos os meios possíveis, regimes socioeconômicos que favoreçam a formação moral de pessoas sem consciência do que seja crueldade.
Esse é um dos efeitos mais nocivos da anomia cultural: suportar a dúvida de estar sendo, simultaneamente, injusto com a vítima e com o algoz."
Diante dessa frase surge uma terrível dúvida: Quem é o real culapado, o algoz ou a sociedade que o criou desse jeito?Por mais terrível que alguns achem essa frase terrível, é inégavel o fato que o algoz não tem culpa de ter sido criado daquele modo, o meio que ele viveu o ensinou esses valores e por isso ele tem conceitos totalmente diferentes sobre o mundo.Em vez de mandar criminosos para prisões (onde eles pioram cada vez mais), as leis deveriam ser revistas, para realmente "concertar" esses criminosos.


"Por que, então, já não fizemos o óbvio? Porque, de um lado, o arcaico senhoriato empresarial-político brasileiro empenhou-se em fabricar uma caricatura dos mais pobres como um bando de desclassificados indolentes, reprodutores irresponsáveis de criaturas que não sabem como alimentar e educar, e que, por isso mesmo, não merecem viver na mesma cidade que eles; de outro, porque boa parte dos que têm poder de agir na esfera pública e criticam essa concepção indigna do povo brasileiro demitiu-se, por cansaço ou decepção, da tarefa de formar uma elite comprometida com um projeto de nação."
Se a sociedade do país fosse mais unida, talvez esses crimes ocorressem em quantidade bem menores, pois se o algoz compartilhasse da dor de perder um filho ele não mataria João Hélio por exemplo.Se ambos os lados fizessem sua parte, o país estaria caminhando para os "dias de luz", mas até lá continuará nos "dias de sombra".

"Da humilde garota pernambucana que supera obstáculos gigantescos para concretizar suas aspirações literárias ao depoimento de duas garotas da escola paulistana, o que vemos é o desenho humano do que deveria ser uma verdadeira elite."
Olhando o retrato de quais pessoas deveriam ser a verdadeira elite do país, é fácil perceber que apenas uma coisa difencia elas do algoz (o método de criação).Enquanto a sociedade não admitir seus erros, mais inocentes irão sofrer, pois o foco do problema está na sociedade que abriu as portas erradas para esse joven.

“São dois mundos separados”. Ao que a outra, com uma acuidade intelectual cirúrgica, responde: “O pior é que não são dois mundos, é um mundo só”.Eis uma das chaves da saída: um só mundo, um só povo.
Infelzimente não é um só povo, pelo contrário! o Brasil possui diferentes povos! e é justamente por possuir diferentes povos, que há um choque tão grande entre ideais, onde um povo não consegue compreender o outro, chegando ao ponto de não se saber nem quem realmente merece a justiça.O choque entre povos foi o que gerou a situação entre João Hélio e o algoz, não importa do que aconteça, a justiça

Dias de sombra, dias de luz

18:02 / Postado por J.V.S.S. / comentários (1)

Sem o sonho de que os tempos sombrios passarão, viver serve para quê?Começo pelas sombras. O Brasil vive uma escalada da violência urbana desorientadora. Quando a lista de atrocidades parecia esgotar-se, aparece mais uma figura do medonho, do horror dos horrores, a morte do menino João Hélio. Será que somos uma aberração coletiva apelidada de nação? Será que somos uma civilização sem amanhã? Talvez sim, talvez não. Seja como for, para evitar o dano mais grave é preciso admitir o evidente: criamos uma sociedade inconseqüente que se vê a braços com o pior efeito da inconseqüência humana: a carnificina monstruosa, na qual crianças matam crianças, sem se dar conta da imoralidade do que estão fazendo.O assassinato de João Hélio por um adolescente que afirmou “não saber o que significa perder um filho assassinado porque nunca teve filho” mostra a face disforme do imaginário da terra de palmeiras onde cantam sabiás. O adolescente que disse ignorar o que é a dor de perder um filho assassinado porque nunca teve filho, exibiu, sem se dar conta, sua patológica cegueira de valores. Mas, sobretudo, mostrou que nunca teve a chance de saber o que é um pai, uma mãe, um filho, enfim, o que é amar e perder um ser amado a quem se deu a vida. Ao ser privado dessa experiência afetivo-moral básica, o jovem criminoso também foi privado de conhecer a distinção entre o justificável e o injustificável. A impiedosa engrenagem da miséria triturou sua capacidade de introjetar o sentido ético do que Levinas chamou de “infinita responsabilidade pelo Outro”!Aí, porém, reside a trágica antinomia da condição humana. Apesar de não ter controle sobre as causas que o levaram a agir como agiu, o garoto é responsável pelo que fez, a menos que o consideremos um puro espectro humanóide, o que seria incomensuravelmente mais desumanizante. Podemos, é claro, conceder-lhe o benefício da ausência de consciência plena do crime cometido; podemos olhar com clemência a dolorosa história de vida que o fez praticar o que praticou, mas não podemos isentá-lo da autoria do seu ato. Conclusão: é nosso dever ético condenar e procurar mudar, por todos os meios possíveis, regimes socioeconômicos que favoreçam a formação moral de pessoas sem consciência do que seja crueldade. Caso contrário, estaremos permanentemente expostos a um terrível impasse ético, qual seja, não saber como julgar alguém que não teve condições de dar sentido a palavras como culpa, crime e castigo.Renato Janine Ribeiro, ao comentar o homicídio do menino João Hélio, exprimiu esse mal-estar. A fantasia de vingança contra o assassino que lhe veio ao espírito, entretanto, nem significou incitação à tortura - longe disso!-, nem neutralidade moral em relação ao Bem e ao Mal. De minha perspectiva - e pode haver outra que não seja pessoal? -, ao escrever o que escreveu, ele pensou em carne viva e revelou um aspecto recalcado de nossa cultura, o convívio promíscuo com a barbárie. Reagindo como reagiu, mostrou o barro de que todos somos feitos, e seu discurso, por isso, foi objeto de numerosas contestações. Compreendo o sentido das objeções feitas, mas não concordo com a maioria delas.Nós, universitários ou acadêmicos, não somos anjos prudentes com uma régua de virtudes à mão, prontos para dirimir, judiciosa e incansavelmente, o que é joio e o que é trigo. Nossa tola vaidade nos faz pensar, muitas vezes, que “os outros”, os incultos ou conservadores, podem tropeçar na própria ignorância e não saber o que dizem ou dizerem “não sei”. Nós, não! Nós somos embaixadores do Iluminismo, do Humanismo ou de qualquer outro “ismo”. Por conseguinte, vir a público falar do que sentimos em momentos de comoção moral e intelectual significa confessar o pecado leigo de lesa-razão! Crime, diz-se, é com a justiça, e fora da justiça não há salvação. Porém, o que chamamos de justiça, entendida como lei ou direito instituídos, não nasce da cabeça de Zeus. Nasce de um sentimento anterior, pré-reflexivo e pré-racional, adquirido mediante experiências psicológico-morais primárias, que ao longo das vidas pessoais e da vida cultural tornam-se familiares. Acontecimentos extraordinários do ponto de vista moral podem, assim, fazer-nos hesitar quanto à propriedade e a natureza do que julgamos justo ou injusto. Nestas situações, o moralmente indecidível pode emergir, posto que a enormidade do fato ocorrido força-nos a oscilar, de modo ambivalente, entre o “impiedoso, frio e impessoal” e o “compassivo, passional ou leniente”. Esse é um dos efeitos mais nocivos da anomia cultural: suportar a dúvida de estar sendo, simultaneamente, injusto com a vítima e com o algoz. No caso de João Hélio, como decidir entre a piedade devida a cada um e a equanimidade devida a todos? O que é mais justo: pedir o endurecimento na punição do responsável pela morte de uma criança inocente brutalmente assassinada ou argumentar, em favor do adolescente assassino, que ele jamais teve condições de entender, por questões psicológico-sociais, que o direito à vida é uma prerrogativa de qualquer ser humano?Pode-se responder: podemos ficar ao lado dos dois, escolher um lado contra o outro, ou não querer pensar no assunto, pouco importa. O fundamental é que isto é da alçada da justiça válida para todos e não do arbítrio voluntarista ou dos espasmos emocionais de um só. Em parte, é verdade. Mas qual justiça, volto a perguntar? A dos códigos e protocolos ou a da aspiração ao respeito absoluto e inegociável pela singularidade do outro? O dilema é mais difícil do que se costuma fazer crer. Como bem apontou Olgária Mattos, não por acaso, Adorno, no julgamento dos nazistas, foi levado a dizer algo mais ou menos assim: não faria o menor gesto para condená-los à morte; não faria o menor gesto para poupá-los da morte! No mesmo tom, não foi algo semelhante que levou Hannah Arendt a dizer que há crimes sem perdão, pois aqueles a quem competeria perdoar já não podem mais fazê-lo, por terem sido mortos?Naturalmente, o infeliz garoto assassino não é um nazista. Ele é um sobrevivente social a quem foi sonegada a mais elementar possibilidade de valorizar a vida do próximo. Isso - creio e defendo - é razão suficiente para julgarmos seu crime com indulgência, mas não é motivo para recalcar o horror que podemos sentir, ao imaginar o que João Hélio sofreu e o desespero alucinadodos pais que viram o filho ser morto como foi. O gênio da língua tarda, mas não falta. Dispomos, em português, de uma palavra para designar filhos que perdem pais, qual seja, “órfão”; não dispomos de palavra alguma para nomear o que se torna um pai ou uma mãe que perde um filho. Este estado é feito de uma dor que não se inscreve na linguagem. Ele é provação extrema; é o mais escuro vazio e a mais lenta agonia; é algo que nenhuma lágrima apaga, porque é a nudez implacável da morte no coração de uma vida que gostaria de não mais ser, e, que, no entanto, é obrigada a continuar sendo.Diante dessa desmedida, afirmar que não se sabe o que fazer ou que se pode experimentar desejos de retaliação não significa jogar a ética na lama; significa mostrar que a malignidade de algumas circunstâncias sociais podem fazer o discernimento ético vacilar. Para alguns, isto é retórica vazia ou falta de coragem para tomar partido. Mas agir e pensar com justiça não é questão de tomar partido; é questão de experimentação sócio-moral, como sustentaram James, Dewey, Rorty; é questão de apostar, sem garantias e com riscos de frustração, na boa-vontade de nossos parceiros de vida em comum; é questão, enfim, do “perigoso talvez”, tão repetido pelo saudoso Derrida. O que fazer, então, para sanar este estado de coisas? Não há resposta fácil. Como, por exemplo, combater a secular injustiça brasileira, reforçando, ao mesmo tempo, as instituições democráticas, se dependemos, para isso, de parlamentares, que, na maioria, sequer se dão ao trabalho de ocultar do público a baixeza de seus mesquinhos interesses? Como fazer deste país um país tolerante, se os líderes intelectuais, empresariais, políticos etc, comportam-se como fanáticos encastelados em seitas ideológicas, sempre prestes a renunciar ao diálogo e à persuasão e a desqualificar com arrogância ou desdém a opinião do opositor? Como, enfim, restaurar o princípio da boa-fé atribuível, em primeira mão, ao outro, se vemos líderes políticos mentir despudoradamente ou empresários da locomotiva agrícola falando de “liberalismo”, enquanto literalmente escravizam ou deixam morrer por exaustão física seus empregados?Não sou derrotista ou desistente. Há coisas nas quais podemos acreditar porque existem e podem ser feitas. Dou dois exemplos. O primeiro é o da conversa recente entre o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, e três governadores recém-eleitos. O ex-prefeito foi direto ao ponto: “polícia sem cidadania e sem reforma urbana é o mesmo que nada”. E, prosseguiu, “quando era prefeito, ao invés de gastar US$ 2,2 bilhões em auto-estradas que beneficiariam 15 %o da população de Bogotá, decidi usar o dinheiro em transporte público, e, com o que sobrou, investir em escolas de qualidade, bibliotecas, parques, ciclovias e melhorias das calçadas. Nós demos a cidade aos pobres que não tinham como usá-la”.Tão simples quanto isso. Por que, então, já não fizemos o óbvio? Porque, de um lado, o arcaico senhoriato empresarial-político brasileiro empenhou-se em fabricar uma caricatura dos mais pobres como um bando de desclassificados indolentes, reprodutores irresponsáveis de criaturas que não sabem como alimentar e educar, e que, por isso mesmo, não merecem viver na mesma cidade que eles; de outro, porque boa parte dos que têm poder de agir na esfera pública e criticam essa concepção indigna do povo brasileiro demitiu-se, por cansaço ou decepção, da tarefa de formar uma elite comprometida com um projeto de nação. Elite, como bem disse a ministra Marina Silva, não é sinônimo de oligarquia vampiresca. Elite são os melhores; os que pensam e agem com a consciência da responsabilidade pública que têm, em função do poder social e da autoridade moral que souberam conquistar no legítimo exercício de seus talentos e competências.Encontramos, neste ponto, o segundo exemplo, que nos foi dado a ver pelo cineasta João Jardim, em seu belo documentário Pro dia nascer feliz. O filme trata da escolarização de adolescentes brasileiros de pequenas cidades rurais do Nordeste, da periferia das grandes cidades do Sudeste e da alta classe média paulistana. O resultado é impactante. Como seria previsível, presenciamos a trajetória de garotos que terminaram cometendo crimes e foram parar nos aviltantes centros de detenção de menores. O mais importante, contudo, é a surpresa de testemunhar o vigor do desejo de auto-realização e de justiça que anima tantos jovens brasileiros que ainda não sucumbiram á lavagem cerebral do “este país não presta”. Da humilde garota pernambucana que supera obstáculos gigantescos para concretizar suas aspirações literárias ao depoimento de duas garotas da escola paulistana, o que vemos é o desenho humano do que deveria ser uma verdadeira elite. O caso das garotas privilegiadas, em especial, é ainda mais eloqüente, pois contraria em tudo o clichê de alienação e insensibilidade colado aos jovens desse grupo social. Em uma cena, duas dessas garotas conversam, e, ao se referirem à injustiça social que lhes deu tudo, privando a maioria de quase tudo, uma delas diz: “São dois mundos separados”. Ao que a outra, com uma acuidade intelectual cirúrgica, responde: “O pior é que não são dois mundos, é um mundo só”.Eis uma das chaves da saída: um só mundo, um só povo. Com essa simples consciência, esses brasileirinhos decentes e encantadores mostram que possuem o senso de pertencimento a uma mesma comunidade de tradições, e, portanto, são capazes de reconhecer o direito dos demais ao mesmo respeito e oportunidade que lhes foram dados. No mundo deles - se permitirmos - mortes de inocentes como João Hélio serão lembradas, apenas, como dias de sombras que antecedem os dias de luz. No mundo deles - se permitirmos - a referência do pronome “nós”, na sensível expressão de Rorty, será estendida a todos os brasileiros e a todos aqueles que elegerem nosso país como um bom lugar para se viver. Sonho de bobo alegre, dirão os cínicos. Talvez. Mas - plagiando a rústica Macabéia de Clarice Lispector -, sem esse sonho, viver serve pra quê?
Jurandir Freire Costa
O Estado de S. Paulo, 1.4.2007

Classicismo e Barroco

16:34 / Postado por J.V.S.S. / comentários (1)


Classicismo

Em Arte, o Classicismo refere-se, geralmente à valorização da Antiguidade Clássica como padrão por excelência do sentido estético, que os classicistas pretendem imitar. A arte classicista procura a pureza formal, o equilíbrio, o rigor - ou, segundo a nomenclatura proposta por Friedrich Nietzsche: pretende ser mais apolínea que dionisíaca.Alguns historiadores de arte, entre eles Giulio Carlo Argan, alegam que na História da arte concorrem duas grandes forças, constantes e antagônicas: uma delas é o espírito clássico, a outra, o romântico.As duas grandes manifestações classicistas da Idade Moderna européia são o Renascimento e o Neoclassicismo.Serve também o termo clássico para designar uma obra ou um autor depositários dos elementos fundadores de determinada corrente artística.



Barroco
O barroco foi um período estilístico e filosófico da História da sociedade ocidental, ocorrido desde meados do século XVI,até ao século XVIII. Foi inspirado no fervor religioso e na passionalidade da Contra-reforma. Didaticamente falando, o Período barroco, vai de 1580 a 1756.O termo "barroco" advém da palavra portuguesa homónima que significa "pérola imperfeita", ou por extensão jóia falsa. A palavra foi rapidamente introduzida nas línguas francesa e italiana.

Embora tenha o Barroco assumido diversas características ao longo da história, o surgimento está intimamente ligado à Contra-Reforma. A arte barroca procura comover intensamente o espectador. Nesse sentido, a Igreja converte-se numa espécie de espaço cénico, num teatro sacrum onde são encenados os dramas.

Retirado do site Wikipédia.

Natal na barca

15:33 / Postado por J.V.S.S. / comentários (0)

Lygia Fagundes Telles


Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão. — Mas de manhã é quente.Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.— Quente?— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta: — Mas a senhora mora aqui perto?— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje...A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era sereno.— Seu filho?— É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas piorou de repente. Uma febre, só febre... Mas Deus não vai me abandonar.— É o caçula?Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o olhar tinha a expressão doce.— É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito... Tinha pouco mais de quatro anos.Joguei o cigarro na direção do rio e o toco bateu na grade, voltou e veio rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.— E esse? Que idade tem?— Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado... A última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los.— Seu marido está à sua espera? — Meu marido me abandonou.Sentei-me e tive vontade de rir. Incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta porque agora não podia mais parar, ah! aquele sistema dos vasos comunicantes.— Há muito tempo? Que seu marido...— Faz uns seis meses. Vivíamos tão bem, mas tão bem. Foi quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, me falou nela fazendo uma brincadeira, a Bila enfeiou, sabe que de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito? Não tocou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio... Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.Olhei as nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma certa irritação me fez andar.— A senhora é conformada.— Tenho fé, dona. Deus nunca me abandonou. — Deus — repeti vagamente.— A senhora não acredita em Deus?— Acredito — murmurei. E ao ouvir o som débil da minha afirmativa, sem saber por quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava o segredo daquela segurança, daquela calma. Era a tal fé que removia montanhas...Ela mudou a posição da criança, passando-a do ombro direito para o esquerdo. E começou com voz quente de paixão: — Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele! Sentei num banco do jardim onde toda tarde ele ia brincar. E fiquei pedindo, pedindo com tamanha força, que ele, que gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer só mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante, ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi. Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso. Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu encontro e me beijou tanto, tanto... Era tamanha sua alegria que acordei rindo também, com o sol batendo em mim.Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei um gesto e em seguida, apenas para fazer alguma coisa, levantei a ponta do xale que cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale novamente e voltei-me para o rio. O menino estava morto. Entrelacei as mãos para dominar o tremor que me sacudiu. Estava morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-o contra o peito. Mas ele estava morto.Debrucei-me na grade da barca e respirei penosamente: era como se estivesse mergulhada até o pescoço naquela água. Senti que a mulher se agitou atrás de mim

O gigolô das palavras

15:24 / Postado por J.V.S.S. / comentários (2)

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa ("Culpa da revisão! Culpa da revisão !"). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas - isso eu disse - vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenho o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa ! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias pra saber quem é que manda.